domingo, 26 de janeiro de 2014

Os 30 anos de Diretas Já.


Por Clodomiro José Bannwart Júnior*

"Mais de um milhão de pessoas em silêncio, mãos entrelaçadas, braços para cima. Ao sinal do maestro Benito Juarez, da Orquestra Sinfônica de Campinas, a multidão cantou o Hino Nacional. Do céu caía papel picado, papel amarelo, a cor das diretas, brilhando à luz dos holofotes. No Vale do Anhangabaú, muita gente chorou." (Folha de S.Paulo,1984)

O sentimento de nação pulsava diferente 30 anos atrás. Foi no dia 25 de janeiro de 1984 que o comício pelas "Diretas Já", na praça da Sé, em São Paulo, sinalizou a irreversibilidade da democratização no País. Importantes políticos oposicionistas ao regime militar, dentre eles Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Miguel Arraes, incluindo Lula e Fernando Henrique Cardoso, conseguiram reunir cerca de 300 mil pessoas no comício que marcaria o ponto de partida das demais mobilizações que levariam o povo às ruas em apoio à Emenda Constitucional Dante de Oliveira.

As ruas clamavam o direito dos cidadãos elegerem, pelo voto direto, o presidente da República. Havia nítida pretensão de desbloquear o aparato repressor e totalitário que, durante vinte anos, havia impedido o exercício da liberdade e da cidadania. O Brasil, sob o julgo dos militares, viu seu sistema político esvaziado, funcionando precariamente com pouca legalidade e praticamente nenhuma legitimidade. A emenda Dante Oliveira foi rejeitada no Congresso Nacional e, logo, foi possível perceber que o progressismo de Sarney não passava de ideologia ao colocar o regime em crise e sua elite conservadora numa transição morna e de pouca substância democrática.

Nesse sentido, os movimentos sociais e demais setores organizados da sociedade envidaram esforços para alcançar suas reivindicações no processo constituinte. O chamado "centrão", sob o comando do PMDB, conseguiu fragmentar os anseios sociais mais progressistas e, desse modo, sem um programa político unificado, muitas demandas não passaram na estreita porta da neófita democracia.

Nas manifestações de junho do ano passado, praticamente trinta anos depois das "Direitas Já", o país viu um feito inusitado: a condução de milhões de pessoas novamente às ruas, de forma dispersa, sem programa político ou partidário unificado. Diferentemente de 1984, as manifestações de agora não se ocupam em lutar pela conquista da democracia, mas em reivindicar o seu aprofundamento fora da estreita agenda imposta pelo sistema político vigente. Ironicamente, as manifestações pretendem desentravar o aparelhamento político, em parte, responsável pelo bloqueio da política substancialmente democrática no país. Avançamos na estrutura formal e institucional da democracia, porém, limitada grande medida ao simples direito/dever de votar, sem a necessária sinergia entre representantes e representados.

Há bom tempo o sistema político deixou de ser movido pela real polarização de ideias e de projetos. Estagnado e amorfo, sobrevive acomodado sob o amparo de arranjos fisiológicos e de interesses escusos, os quais, repetidamente, vêm a público sob a rubrica de desmandos e corrupção. A polarização que se vê entre os partidos é meramente postiça; um faz de conta em época de eleição que se reequilibra posteriormente com a distribuição de cargos, sempre legitimada pela necessidade de assegurar a tão exigida governabilidade. Força de inércia e oposição passiva coroam o nosso sistema político, deixando distante a força utópica da democracia sonhada e pensada nas "Diretas Já".

É nesse cenário de cansaço político que as ruas pedem passagem a novas formas de inserção e de participação. É urgente que as forças canalizadas nas ruas, traduzidas em opinião pública, possam levar adiante uma ampla e irrestrita reforma do sistema político. Do contrário, ao ver o Brasil no retrovisor da história, enxergaremos o Maranhão.

*Clodomiro José Bannwart Júnior é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.

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